domingo, 9 de junho de 2013

Do que me formo e dispo.



Quando eu era mais jovem, pensava que sabia tudo, e o mundo não passava do meu quintal, com sua alta goiabeira, pé de pimenta, pinha e algumas hortaliças cultivadas pelo meu avô. Achava que falar diante do espelho comigo mesma era natural e só me dava conta que não podia ser, quando meu tio me surpreendia e zoava comigo, então me sentia boba, e pulava da penteadeira de madeira escura com pedras de mármores e grande espelho central, talhada com desenhos antigos e que era o xodó da mina avó.
Eu era tão criativa, achava que um cabo de vassoura velha podia virar um microfone e eu podia cantar a minha canção ao pé da linda e majestosa goiabeira, mas sempre meu tio aparecia e sonho era desfeito, ela ria de mim, fazia até um gesto com o dedo indicador girando junto a sua cabeça. Achava ele que eu era maluca? Ou eu passei a acreditar que era e deixei de interpretar pra mim mesma?Não se deve fazer isso com o sonho de uma criança, quem sabe hoje eu não seria uma estrela? Não sinto raiva do meu tio, por não ter deixado aflorar em mim possibilidades. Hoje relembrando acho graça. Recordo com saudade a sua figura sorrindo para mim... Ele sim era um artista, tocava muito bem piano, violão, cavaquinho e nunca estudou em escola especializada para isso, aprendeu porque tinha o dom, era autodidata. Bem, como não podia interpretar diante do espelho, nem cantar com meu cabo de vassoura, a saída foi optar por escrever. Tinha um velho caderno que eu colocava as minhas impressões de tudo que acontecia comigo e aquilo me fazia um bem enorme, mas escondia dentro do meu armário, por baixo de roupas nem sempre dobradinhas como deveriam ser, mas uma garota de 11 anos não se preocupava com isso, a não ser quando alguém abria o armário e dizia que aquilo não era descente e eu precisava organizar, afinal era uma mocinha... Mas eu era uma mocinha tão travessa, mimada e birrenta, não tinha limites, aprendi com a vida a me dar freios e regras. Era tanta gente pra mandar e dizer o que eu deveria fazer, e sem parâmetros eu acabava não obedecendo a ninguém. Indomada, aprendi por tentativas e erros, não diferentemente dos ratinhos de laboratório, mas com inteligência, discernimento e opção. Aprendi que a juventude nos dá asas e a maturidade nos dá raízes e fixação, sem, portanto nos privar de ver ao alto as nuvens passarem e os pássaros com suas asas rasgar o céu. Aprendi que estar jovem é saber que a idade mudou, o espírito pode permanecer o mesmo, e a limitação do corpo e de certas atitudes não poderá nos privar de sonhar e continuarmos sendo leves, livres e manter o bom humor (que é a chave do negócio). Da minha infância trago cheiros e impressões singulares, descobertas e cores que me encantou e encantam até os dias de hoje. Também aprendi a ver no obvio o espetacular, sem crivos, rótulos e julgamentos. A sensibilidade que me norteou. Perceber nas coisas simples grande valor, num sorriso fraterno, num cuidado dispensado... Coisas que não se vende em lojas de departamento, nem de grife. Nos seres aprendizes devemos buscar enxergar com o olhar caleidoscópico, superando o que não é positivo e se dando o prazer de ver e sentir outros lados, novas facetas, em nós e em outros que nos cercam. Fazer tudo algo novo. Tudo o que sou e o que tenho a doar remetem a minha infância, aos meus sonhos lá de trás, as pessoas que me acolheram e me mostraram o caminho, as tristezas por que passei e as alegrias que graças a Deus, hoje sei, foram maiores. Porque trago essas impressões, hoje tão distantes? Talvez para dizer a mim mesma que deram certo, quando em muitos momentos eu mesma cheguei a pensar que seria inútil tentar ir mais alem. Talvez eu mesma fosse algo perdido no tempo e o sucesso em ser e me tornar uma pessoa melhor dependeria somente dos outros. Quando na verdade por instinto eu já sabia que tudo, de mal ou de bom dependeria sempre de mim. Então eu escrevia o que acontecia no meu intimo tão desconhecido, cheios de muitos porquês, interrogações e até ressentimentos,  que desde cedo tive que aprender a ter ao meu lado empenho e vontade para fazer acontecer coisas positivas, mesmo tendo pessoas muito queridas torcendo por mim. Hoje sei, tive bastante sorte, sei, minha família foi providência de Deus, talvez não tivesse desenvolvido o caráter que tenho hoje se não tivesse passado por experiências tão peculiares nos arranjos familiares que vivenciei. Cresci, e como as coisas no mundo adulto se processam de maneiras distintas do mundo infantil, passei muito tempo sem escrever, hoje sinto que poderia escrever divinamente se não tivesse parado de exercitar palavras em tinta, se não tivesse deixado de jorrar em folhas brancas, sentimentos. O tempo passou, é fato, mas isso não é dramático ao ponto de deixar frustrada, porque não sou o que poderia ter sido, estou feliz porque me tornei infinitamente camaleoa, mudo o tom, a cor e despisto emoções que possam obstruir minha coragem de me reinventar. Então de vez enquanto eu me atrevo a escrever coisas que me ajudem a entender a mim e ao mundo ao meu redor, recomeçando sempre tudo em minha vida, mas nunca se esquecendo do que me formo e dispo.  

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Sou simples e disposta para as boas coisas. Amo o belo, mas a minha admiração maior é na alma. Por isso eu escrevo, e como diz Clarice... "Escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...” Então, eu vou desabrochando a cada dia, com esperança, determinação, amor no corazón, tecendo minha vida, tal como uma linda aranha tece a sua fenomenal teia... Escrevo, sobretudo, "Porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando"... Romântica? Profunda? Complexa? Não sei, traduza-me...